95 anos do Theatro Pedro II: quem foi o arquiteto que projetou símbolo de Ribeirão Preto e acabou processado
08/10/2025
(Foto: Reprodução) Theatro Pedro II: arquiteto que projetou símbolo de Ribeirão Preto acabou processado
O Theatro Pedro II completa 95 anos nesta quarta-feira (8). Tombado como patrimônio cultural, o edifício pomposo no Centro de Ribeirão Preto é o terceiro maior teatro de ópera do país e reúne uma história marcada por ambição, disputas e renascimento.
Para entender quem deu forma a esse símbolo da cultura local, o g1 ouviu o historiador e agente cultural Felipe Gonçalves de Souza, que reconstituiu a trajetória de Hippolyto Gustavo Pujol Júnior, arquiteto responsável pelo projeto. Foi ele quem transformou em concreto o sonho de erguer uma casa de espetáculos moderna e grandiosa no interior paulista no século 20.
O Theatro Pedro II nasceu de um projeto da Companhia Cervejaria Paulista, presidida por João Alves Meira Júnior, que queria construir um quarteirão monumental na região mais nobre da cidade. Em 1927, a empresa lançou um concurso entre arquitetos. Cada um deveria apresentar um projeto, um memorial descritivo e o orçamento.
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O início
Em 23 de janeiro de 1928, o júri escolheu o projeto de Hippolyto Gustavo Pujol Júnior. A Prefeitura aprovou as plantas em março e o contrato com o arquiteto foi assinado em 26 de maio. O projeto previa não só o teatro, mas também o Edifício Meira Júnior, que junto com o Palace Hotel formaria o famoso Quarteirão Paulista.
“O Pujol não era um arquiteto de expressão nacional, mas era reconhecido pela competência técnica. Ele tinha experiência com obras de engenharia no estado de São Paulo. Foi justamente essa habilidade prática que fez ele vencer o concurso. O júri considerou o projeto dele o mais equilibrado do ponto de vista técnico e estético, e também o que melhor aproveitava o terreno. Então, mesmo sem a fama de outros arquitetos da época, ele acabou assinando uma das construções mais importantes da história da cidade”, afirma Felipe.
Em 23 de janeiro de 1928, o projeto de Hippolyto Gustavo Pujol Júnior foi escolhido para a construção do Theatro Pedro II
Arquivo Arq e Érico Andrade/g1
Pujol Júnior nasceu na cidade de Mendes, no interior do Rio de Janeiro, e se formou na Escola Politécnica de São Paulo, onde se destacou por projetos de engenharia e edificações públicas.
Antes de chegar a Ribeirão Preto, projetou o Edifício Guinle, considerado o primeiro arranha-céu de São Paulo, o Edifício Rolim e a residência de Jorge Street, empresário e um dos promotores do movimento do Centro Industrial do Brasil.
Estilo e custo do Theatro Pedro II
O projeto de Pujol seguia o estilo eclético, com elementos clássicos e influências art nouveau, seguindo a diretriz de harmonizar visualmente com o Edifício Meira Júnior e com o Palace. O conjunto buscava formar uma paisagem coerente ao redor da Praça XV de Novembro.
“O Pedro II é um exemplo do ecletismo paulista. Ele precisava dialogar com o entorno e, ao mesmo tempo, representar o poder econômico da cidade naquele período. A cúpula metálica do teatro, as insígnias 'CCP' (Companhia Cervejaria Paulista) incorporadas à ornamentação conectam o edifício à fase industrial da cidade, quando cerveja e chope também eram símbolos do progresso local”, analisa o historiador.
A obra foi financiada pela Companhia Cervejaria Paulista. Os custos fixados à época foram de 1.529:278$100 (réis) para o Theatro Pedro II e 430:324$700 (réis) para o edifício comercial, com honorários de 14% do arquiteto. O total estimado do empreendimento, somando honorários, alcançou 2.223:347$034 (réis).
Convertido sem aplicar índices de inflação ou mudanças monetárias, o valor hoje seria de mais de R$ 250 mil para a parcela do teatro.
Theatro Pedro II anunciava peça "A tragédia do fim do mundo" na década de 1930 em Ribeirão Preto
Arquivo Público de Ribeirão Preto
Discordâncias e disputa judicial
A construção começou no fim de 1927 e se estendeu até 1930. Durante a execução, o arquiteto e a diretoria da companhia se desentenderam. O historiador conta que Pujol e Meira Júnior discordavam sobre custos, prazos e até sobre mudanças feitas no projeto.
O impasse foi tão grande que chegou à Justiça. O arquiteto processou a Cervejaria pelo não pagamento integral dos honorários. A empresa respondeu alegando descumprimento contratual.
“A relação entre o arquiteto e João Alves Meira Júnior se desgastou muito. Um exemplo é a cúpula do teatro, que ficou muito mais cara do que o previsto. Outro ponto foi o vão de entrada do edifício, que tinha sido planejado para a passagem de automóveis, mas acabou impraticável. Essas divergências resultaram em ações judiciais. No fim, Pujol perdeu a causa e foi obrigado a indenizar a companhia”, explica Felipe.
Inauguração em meio à crise
O nome do teatro foi definido por votação popular, em um concurso do Jornal A Cidade. Entre as sugestões estavam Carmen Miranda e Ruy Barbosa, mas o escolhido foi Pedro II.
O Theatro Pedro II foi inaugurado em 8 de outubro de 1930, no auge da crise do café e logo após a quebra da Bolsa de Nova York. Com a economia em frangalhos, as companhias de ópera convidadas não aceitaram se apresentar na inauguração, e o evento de abertura exibiu o filme “Alvorada do Amor".
Ele [teatro] nasce em um momento de decadência econômica, e isso explica porque o teatro, apesar da imponência, foi inaugurado com a exibição de um filme e não com uma ópera, como se esperava. Nenhuma companhia lírica aceitou o contrato na época, por falta de recursos. Mesmo assim, o prédio virou um símbolo cultural e foi rapidamente incorporado pela população. Era um espaço que representava, de alguma forma, a resistência da cidade diante das dificuldades econômicas
O incêndio e o renascimento
Cinco décadas depois da inauguração, em 15 de julho de 1980, um incêndio durante a exibição do filme “Os Três Mosqueteiros Trapalhões” destruiu parte da estrutura — o forro, o palco e a cobertura. Laudos técnicos apontaram sobrecarga elétrica como causa do fogo. Ninguém se feriu.
A tragédia mobilizou a cidade. Quatro meses após o incêndio, a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto reuniu 10 mil pessoas na Esplanada do teatro em um concerto que se transformou em um ato público pela reconstrução.
“O incêndio de 1980 foi um divisor de águas. O teatro já estava em processo de decadência, mas o fogo escancarou a necessidade de preservar aquele patrimônio. A partir dali, começaram os movimentos de restauração e de proteção legal. O incêndio, que poderia ter sido o fim, acabou se transformando num ponto de recomeço”, explicou Felipe.
Veja a galeria de fotos:
Theatro Pedro II teve estrutura danificada em incêndio em 1980 e reabriu em 1996
Em 1982, o prédio foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Em 1989, a Prefeitura obteve a concessão do imóvel, e as obras de restauração começaram em 1991, com apoio da iniciativa privada.
A reabertura aconteceu em 27 de maio de 1996, com apresentação da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e de um coral de Buenos Aires. A artista Tomie Ohtake assinou o projeto da nova cúpula, instalada sobre a plateia principal.
O edifício tem 5,8 mil m² de área, 30 metros de altura e 1.580 lugares na configuração atual, com 24 camarotes coletivos, seis proscênios, camarins e galerias. Após a restauração dos anos 1990, o Pedro II consolidou-se como o 2º maior teatro do estado e o 3º maior do país para óperas.
A Esplanada continua sendo palco de apresentações e manifestações culturais, de concertos a batalhas de rap. Todos os meses de janeiro, o teatro fecha para manutenção — é quando o lustre em forma de gota, desenhado por Tomie Ohtake, passa por limpeza e troca de lâmpadas.
O Pedro II sempre teve uma importância que vai além da arquitetura. Ele ajudou a moldar a vida cultural, social e até política da cidade. A Esplanada virou um ponto de encontro, palco de shows, manifestações e eventos artísticos. É um espaço que sintetiza a identidade ribeirão-pretana. Mesmo depois de 95 anos, o teatro continua sendo o centro simbólico da cidade, o lugar onde a história e o cotidiano se cruzam
Theatro Pedro II em Ribeirão Preto, SP
Érico Andrade/g1
*Sob supervisão de Thaisa Figueiredo
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